segunda-feira, 11 de julho de 2011

Entrevista: Marcelo Costa

A crítica musical sofreu uma mudança irreversível na internet. Prova disso são pessoas como Marcelo Costa, publicitário formato pela Universidade de Taubaté e editor do hoje site Scream & Yell. Desde os tempos de faculdade, Marcelo produzia textos apaixonados sobre música no formato de fanzines, já com o mesmo nome do site. Em 2000, quando veio para São Paulo – indicado pelo também crítico Lúcio Ribeiro - para trabalhar no portal Ig, Marcelo passou a produzir a revista na internet.
Desde então o S&Y se tornou referência entre os blogs de música. E de filmes. E de cultura pop. A proposta inicial de Marcelo era a de produzir uma publicação de resenhas musicais com opiniões fortes e marcantes. Depois de um tempo, conta que “deixou de ser tão radical” – e daí passou a realizar também matérias, entrevistas e textos “mais técnicos”, resenhas mais frias sobre shows. Daí, naturalmente, foram chegando outros colaboradores – que também queriam ter voz no site, e escrever sobre outros elementos pop como filmes e livros. No entanto, a figura central do site, que hoje conta com cerca de 48.000 acessos únicos mensais, é Marcelo.
Entre os principais atrativos do S&Y estão as longas entrevistas com artistas e as votações anuais. No final de 2010, Marcelo reuniu 68 críticos de música – nomes como Sérgio Martins, Alexandre Matias, Pablo Miyazawa, Lúcio Ribeiro e muitos outros – para realizar uma grande eleição aberta sobre os melhores da década. O resultado, diz Marcelo, foi ótimo para diagnosticar tendências, como a do Los Hermanos como a banda nacional mais representativa da década, e os Strokes e o Radiohead internacionalmente. As entrevistas, por sua vez, são extensas e passam a impressão de uma conversa bastante natural. Talvez a mais importante publicada pelo S&Y tenha sido com Romulo Fróes, que iniciou uma grande discussão sobre a nova música produzida no Brasil, as dissidências e continuidades em relação à geração da ditadura.
Simpático e bem-humorado, o editor do Scream & Yell é um adorador de cervejas belgas, cachaças mineiras, picanha ao ponto e tortinhas de morango. Também é autor do blog Calmantes com Champagne 2.0, em que escreve sobre viagens, cervejas e, claro, música. Conta que tem uma parede de CDs em casa e ainda traz malas cheias deles quando viaja.




A crítica nunca é isenta. Isso influencia tanto o jeito dos jornalistas escreverem como o próprio conteúdo que é pautado. Como você vê isso?

É muito complicado realmente, porque tirando a gente, que conhece os jornalistas por nome, o público não tem esse contato com o jornalismo. Eu começava a ler um texto e já identificava “ah, esse é o Forastieri” - a gente já conhece essas pessoas, mas o público comum não conhece. Então, para eles é como se a Folha [de S.Paulo] tivesse falado mal do Caetano, por exemplo. Quando na verdade foi um jornalista “xis” que foi lá e falou o que pensava. Mas o público nunca percebe. E aí, se essa situação já era complicada, hoje piorou. Porque, como exemplo, tinha uma época em que a Folha tinha o reporterzinho indie, o cara que gostava de MPB e o cara que gostava de cinema, e tal. Aí sai o indie [da Folha], e os editores pegam o cara da MPB pra ir cobrir um show do Belle and Sebastian, digamos.
Aí o cara vem fazer uma resenha que não é a dele, sabe? Ele não tem culpa. Culpa é do editor que mandou alguém que não sabe disso. Contratasse um frila, sabe? O texto não estava errado: o problema era o ponto de vista dele, que não gosta do Belle and Sebastian. Sempre tem alguém que goste de tal estilo de música que possa resenhar um show podendo dar a sua opinião mesmo, usando marcas próprias no texto. A crítica é pessoal tanto porque cada um faz um texto diferente como pelo fato de que as pessoas gostam de coisas diferentes. Você pode relevar os momentos de técnica, num filme, que é o que todo mundo consegue enxergar. É unânime que todos os discos do Roberto Carlos são muito bem produzidos, arranjados por um maestro e tudo. Mas isso é a técnica: o que vai ser diferente são as sacadas que você pode ter por conhecer tal banda, tal estilo, gostar de tais coisas. Fazer ligações.


E esse mundo musical paulistano? São os jornalistas que se conhecem, conhecem os músicos, é todo mundo conhecido, e quem não faz parte... não faz parte.

É que ultimamente a gente está passando por uma crise danada no jornalismo, né? Antigamente um filme para dar certo tinha que ser legitimado pela Pauline Kael no New York Times. Se a Pauline falasse bem do filme, ele tinha uma segunda semana de exibição. Se ela falasse mal, o filme era automaticamente recolhido. Ou seja, a crítica tinha uma importância naquela época que já não tem mais. Poucos veículos hoje têm esse poder. Se o Sérgio Martins [da Veja] falar bem de um disco... Ele falou bem do disco do Romulo [Fróes] e no dia seguinte vendeu 70 cópias na Livraria Cultura. A Folha já não tem mais esse poder. O Romulo saiu na Folha hoje, mas acho que a entrevista que ele deu pra gente no Scream [and Yell] deu muito mais visibilidade pra ele do que as duas capas anteriores da Folha (do No Chão Sem o Chão, de 2009, e do Cão, de 2006). Ele me disse que as pessoas começaram a olhar diferente pra ele - lógico, foi uma entrevista de quatro horas, 25 páginas e ele fala muitas coisas legais - e isso que fez toda a cena começar a discutir, a digerir aquilo ali que não cabe numa Folha, em 8 mil toques. Outro dia, um dos meninos que colabora no Scream foi num camarim e entrevistou o Nasi. Os leitores vieram reclamar, nos comentários, “isso aqui é o 'abre', né?”; “cadê o resto da entrevista?” - eles mesmos já começam a cobrar por longas conversas. No Scream já não cabe mais aquele texto corrido de 6 mil toques da Rolling Stone. Se eu falo que vou publicar uma entrevista, os caras estão esperando um calhamaço, com muita informação, porque o site já ficou com essa característica.


Hoje [13/06] na entrevista de Romulo pra Ilustrada ele disse que não se fala mais de música. Música virou muito política. Ecad, direitos autorais, Anna de Hollanda, e a estética ficou pra trás. Como a crítica está lidando com isso?

É que a gente está vivendo um momento muito particular, estamos esperando uma revolução. Eu só vivi uma, que foi o grunge. E a gente precisa de uma revolução dessa para mudar o cenário nacional. Assim, a minha mulher trabalha com uma moça que vive reclamando “ah, não acontece nada na música brasileira...” - lógico, ela está ouvindo Chico Buarque faz vinte anos!
O cenário brasileiro de música está muito mais fértil que o internacional. No Primavera [Sound, festival Espanhol], no Isle of Wight [festival inglês], no Coachella... estão tocando as mesmas bandas há anos! E a gente está com um sopro de criatividade muito grande, só que a tem a barreira de passar pro lado de lá, pro sucesso, porque não tem grana rolando. As gravadoras estão apostanto, como sempre, na fórmula - pagando jabá, matando as rádios... Temos um círculo viciado que está ferrando caras como o Romulo, que é o mais difícil dessa cena. Mas também o Bruno [Morais], o Cérebro [Eletrônico], a Tulipa [Ruiz], que têm uma vertente mais pop e estão esperando essa chance.
A discussão toda em cima de Ecad, direitos, não é mais que uma problematização do cenário. Por que você tem um monte de bandas e artistas sensacionais e a coisa não vira? O que está errado? É o Ecad, o jeito que a Ana de Hollanda faz as coisas, o jeito que as casas noturnas pagam as bandas... Ou seja, se você tem uma safra tão boa de artistas que não estão estourando, não pode ser culpa do Romulo, ou do Bruno, ou do Vanguart, mas sim do que está separando eles do público.


Então você acha que é por isso que a crítica está deixando de falar da música para falar do cenário, do entorno? Por exemplo: o Alexandre Matias tem uma coluna sobre Cultura Digital todo domingo no Estadão, e sempre fala sobre música. Mas com um viés cultural, e da própria estrutura em que a música se produz. Mas e a música como estética?

Tem muita gente falando de música, mas talvez o timing - o gancho jornalístico do momento - seja das picuinhas de ferramentas da música, assim. Por exemplo, eu não escrevi resenha grande do disco do Romulo [de 2009, No Chão Sem o Chão]. Mas ele falou: “Cara, tem um pessoal do Rio lá da Camarilha dos Quatro, eles fazem resenhas enormes, e são muito bons”. Como o Scream não é o meu trabalho - eu tenho um trabalho no Ig e tal -, ele é o extra. É o meu pensamento. Então eu uso aquilo ali justamente para fazer as coisas que quero falar. Aí tenho um monte de colaboradores, que pedem pra escrever os textos, e a gente vai ajustando.
Mas eu acho que é uma opção fácil: já que o Romulo gerou uma grande confusão da última vez que ele falou [para o Scream and Yell], perguntam para ele de novo a mesma coisa. Aquela entrevista fez com que ele fosse convidado para tocar em Belo Horizonte, em Brasília, e algumas vezes foi como palestrante também, para discutir nas mesas. Porque ele é um dos poucos que falam [da cena atual], embora ele não queira esse papel.
Eu vivi nos anos 1980, em que o Renato [Russo], o Arnaldo [Antunes], o Lobão... todos eles queriam falar. E isso gerava uma discussão. Hoje em dia você vê o [Fernando] Catatau, líder do Cidadão [Instigado] que é uma das melhores bandas que existem no Brasil, que não fala nada! Na hora de jogar merda no ventilador, ninguém joga. É um cenário genial em que ninguém fala nada. Tá todo mundo acostumado a tocar no Studio SP, sabe? Precisamos colocar essas discussões pra levantar o que não é certo, como ganhar 500 reais para tocar no Studio. O Romulo foi um dos poucos que tocou nessa ferida.
A música não está dissociada, de maneira nenhuma, do cenário em que ela é criada. Se o Romulo está fazendo a música que está hoje, é porque ela é intrínseca ao momento artístico-cultural-político que está sendo vivido. Então discutir o meio que contorna tudo isso é muito importante.


E a relação dos assessores de imprensa com os críticos e artistas?

É uma coisa natural (risos). A geração do Álvaro [Pereira Júnior], do Lúcio [Ribeiro], do [André] Barcinski era muito influenciada pelo jornalismo britânico, em que você não podia ser amigo dos artistas. E eles viveram numa época em que era muito mais difícil ter contato com eles. Hoje eu tenho o Romulo no Gtalk, tenho o telefone do Helinho [Hélio Flanders], o Nevilton mora aqui na rua. Se eu quiser conversar com os caras, eu tenho essa abertura. Acabam sendo amigos, mas isso não me impede de fazer uma crítica.
Eu já cheguei a vetar textos no Scream quando o jornalista conhecia muito a banda, pareceria um texto puxa-saco e tal. Mas é um meio em que todo mundo acaba se conhecendo, e em que se espera um mínimo de profissionalismo. Eu espero, por exemplo, que o pessoal do SWU [Festival que ocorreu em Itú em 2010] me chame pra cobrir, apesar de eu ter falado muito mal do primeiro dia dele ano passado. Não tive nenhuma represália, mesmo depois numa reunião com o [André] Fischer (empresário do evento), que foi explicar o que deu errado.
A gente é embaixador do Terra [Festival Planeta Terra, que ocorrre em São Paulo] esse ano de novo. No ano passado, a gente detonou o Smashing Pumpkins, e mesmo assim fomos convidados, um super exemplo de profissionalismo. Não é porque estou ali dentro, cobrindo o festival, com o selo do festival no meu site, que vou deixar de ser fiel aos meus leitores. Meu leitor, que estava lá no Festival, vai dizer “eu estava lá, esse show foi uma merda, como você achou bom?”.

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