Matéria de hoje na Folha de S. Paulo:
A alma do negócio
Com crise da indústria fonográfica, artistas como Santogold e a dupla Groove Armada gravam músicas ou mesmo discos por encomenda de empresas
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
A propaganda é a alma do negócio, alardeia a surrada máxima. Enfraquecida por uma crise que a corrói há anos, a indústria fonográfica vende sua alma -a música- à publicidade.
Há anos a música é utilizada para agregar valor a um produto ou serviço. Mas, hoje, em um mundo em que se encontra música de graça em qualquer blog ou site, ficou complicado para um artista ganhar a sua parte. A solução encontrada por muitos foi o marketing.
Um exemplo dessa nova ordem ocorreu na semana passada, no Midem, a feira da indústria fonográfica, em Cannes. Em geral não se veem artistas nas mesas de conversas do Midem. Mas Andy Cato, do Groove Armada, estava lá -para explicar a parceria entre a dupla inglesa, que já fez megahits como "Superstilyn", e a Bacardi.
O Groove Armada já lançou sete discos de estúdio. No ano passado, rompeu com a gigante Sony BMG e assinou um contrato de 12 meses com a empresa de bebidas. Por esse contrato, o GA excursiona pelo mundo em 25 eventos da companhia e acaba de soltar um EP de quatro faixas, que podem ser baixadas gratuitamente por um site criado pela empresa (www.bliveshare.com).
No dia 2 de março, o Groove Armada lança o EP no formato físico, e os downloads gratuitos serão suspensos. "Queríamos abraçar o fato de que há música gratuita por aí, mas dar a ela algum tipo de valor", disse Andy Cato, durante o Midem.
Strokes e tênis
No final de 2008, uma reportagem do "New York Times" jogava luz sobre o fato de a novata vocalista Santogold ter licenciado oito faixas de seu álbum de estreia para publicidade e games. Algo que já havia sido feito por Moby -todas as músicas do disco "Play" (1999) foram vendidas para publicidade.
A mesma Santogold estrela um comercial da Converse ao lado de Julian Casablancas (dos Strokes) e do superprodutor Pharrell Williams. Eles não apenas estrelaram o anúncio como fizeram uma música ("My Drive Thru") especialmente para a marca de tênis -o vídeo se tornou hit no YouTube.
"Com as verbas que têm, as empresas conseguem convencer artistas a criarem trabalhos especiais", afirma Manir Fadel, diretor de criação da agência Lew'Lara/TBWA. Ele exemplifica: "Fizemos um comercial para a Tim com um menino dentro de um carro e gotas de chuva escorrendo. Compramos uma música de uma dupla desconhecida, Herbatta. O comercial ficou melhor do que se tivéssemos composto a trilha. E ela ficou conhecida. Muita gente foi no YouTube para descobrir quem havia feito a música."
Enquanto alguns veem essa ligação entre música e publicidade como nefasta (a música perderia valor artístico), o veterano produtor Pena Schmidt mostra-se a favor da união.
"É uma oportunidade. É significativo em termos de dinheiro", diz. "Outro ponto é a visibilidade [que gera para o artista]. Qualquer artista luta muito por isso hoje. É algo que acrescenta valor à obra do cara. De alguma forma, ele está sendo reconhecido. Isso não pode ser ruim."
É mais ou menos a opinião de Seu Jorge, que em 2007 compôs uma canção, "Eterna Magia", para a cachaça Sagatiba. A música entrou no álbum "América Brasil". A empresa pagou não apenas pela música mas bancou a turnê do músico. "Isso é negócio, é business", argumentou Seu Jorge, à época.
"É uma das formas de ter sua música ouvida. Os artistas seriam estúpidos se não aproveitassem", diz Santogold.
Para especialista, anúncio não diminui o valor dos músicos
DA REPORTAGEM LOCAL
Do ponto de vista publicitário, a associação com um artista é normalmente bem-sucedida.
"Chama-se um artista de peso para criar uma música nova especificamente para aquele propósito. Isso é muito bom, porque você integra o artista à marca", afirma Manir Fadel, diretor de criação da agência Lew'Lara/TBWA.
Mas faz uma ressalva: "Muitas vezes gastamos uma grana enorme para comprar uma música, e ela se torna maior do que o comercial. As pessoas acabam não se lembrando do produto. Isso acontece direto".
Desde que a publicidade existe, ela utiliza músicas para vender produtos. No mercado brasileiro, são exemplos desde os Mutantes/Shell até Mallu Magalhães/Vivo -artistas que emprestam canções a marcas.
O que é novidade no cenário são os comissionamentos que as empresas pagam aos artistas para que eles criem canções especialmente para anúncios publicitários.
"O Tejo, do Instituto, fez uma campanha grande da Brasil Telecom, criando a música-tema do comercial", conta Mauricio Tagliari, do selo Y/B Music. "Mas ninguém pediu a ele que fizesse um jingle. Deram liberdade ao Tejo. Isso não avilta em nada o artista."
Tagliari cita os casos de Céu, Luciana Mello e Mônica Salmaso, que já cantaram jingles para campanhas publicitárias. "Mas elas não estavam no estágio em que estão agora. Hoje, provavelmente, só fariam se pagassem uma grana alta." Grana que pode chegar a R$ 200 mil, dependendo do anúncio. (TN)
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